terça-feira, 8 de março de 2011

“A fotografia”



 Ela tinha olhos verdes, o tipo de verde que não diz muito sobre a pessoa, um verde misterioso e profundo, e madeixas castanhas desprendia-se em cachos e emolduravam a bela face sorridente.
 Ele podia sentir o frio na pele, deixado pelos pingos de chuva ínfimos, que não o tocavam, e nem mesmo caiam, mas ele podia sentir, assim como podia ouvir a música ‘asleep’ que tocava no som desligado, a música emanava-se pelos ares como a fumaça enegrecida presente ali, e a chuva tocava-lhe o corpo causando arrepios, as duas em uma reciprocidade amigável o atingiam.
         Algumas lágrimas juntavam-se num choro, não o pranto desesperado, o qual já tivera acostumado um dia, mas apenas uma plangência nostálgica dos tempos que se foram, e que ficaram gravados para sempre, tanto naquela foto como em sua memória.
 Charlie se levantou, a velha foto desgastada depositou no bolso interno do terno, afinal escritores sempre usam terno e gravata, tomou mais um gole de seu conhaque prostrado sobre a mesa e voltou-se para a enorme janela de vidro, que cobria uma parede quase inteira, Nova York mostrava-se apática a sua própria apatia e ele não se importava mais.
 Seus olhos, ainda lagrimejantes e vermelhos por causa da fumaça e da falta de sono, percorreram o cômodo no qual se encontrava, um escritório bem conservado e bem arrumado se prostrava a sua frente, um computador portátil jazia imóvel em cima da mesa, ao lado da marca circular onde estivera o copo, que agora estava seguro entre seus dedos, uma barra negra piscava numa página em branco na tela, a barra aparecia e desaparecia de maneira inebriante e frustrante, para ele, e ao mesmo tempo. As luzes do monitor eram as únicas acesas no ressinto esfumaçado, que tinha um cheiro agridoce de conhaque, café e cigarros, as paredes eram todas cobertas por prateleiras, a exceção de uma, que tinha uma grande e austera porta de mogno e a outra com a janela toda de vidro pela qual ele olhava nova york anteriormente.
         Em uma das prateleiras que estavam repletas de livros, descansava a sua primeira máquina de escrever, ele esboçou um sorriso ao vê-la encarando-o tão veementemente, e se lembrou como em muitas outras ocasiões, mas nessa em especial, qual fora seu real e mais precioso presente naquela mesma noite de festas natalinas.
 Fazia muitos anos que ele não via a garota de olhos verdes, e madeixas castanhas e cacheadas, da foto velha e desbotada, depositada agora em seu bolso, mas não havia um só dia em que achasse possível esquecer-se de seu primeiro beijo e seu primeiro e verdadeiro amor.
 Ele ainda escrevia e escreveria muitas vezes sobre ela, tanto naquela maquina como em qualquer outra, e foi isso o que ele pensou antes de sentar-se na cadeira de frente a mesa, e começar a digitar de maneira quase frenética.

[Baseado em ‘As vantagens de ser invisível’, Paula Folly]

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